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Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

O Doido Catrevage por Djalma de Melo Carvalho

21/08/2025

Crônicas santanenses

O Doido Catrevage por Djalma de Melo Carvalho

Reprodução do Portal Maltanet


Vez por outra me lembro de Lulu Félix, simplória figura popular de Santana do Ipanema, conhecido como mentiroso. Boa praça, sempre de paletó sem gravata, baixa estatura e bastante risonho. Quando contestado pelos frequentadores do Bar do Tonho, estabelecimento comercial outrora existente no centro da cidade, dizia ele: “Vocês não leem, não viajam...”
O tempo passa depressa. Se hoje estivesse vivo, Lulu Felix estaria, por certo, embasbacando seus incrédulos amigos do Bar do Tonho, a perguntar-lhes o significado de catrevage, catervagem e paradoxo, neles aplicando lições de semântica.
Leio, agora, que catrevage e catervagem significam a mesma coisa. Aquela é, segundo mestre Aurélio, alteração linguística desta, ambas palavras usadas popularmente no nordeste brasileiro, como “restos de material de construção ou montão de quaisquer objetos e grande porção de pessoas”. Graciliano Ramos, por exemplo, empregou catervagem em São Bernardo, seu segundo romance da gloriosa carreira literária do mestre alagoano.
Em julho de 1961, aprovado em concurso do Banco do Brasil, tomei posse na agência de Santana do Ipanema. Treze novos colegas, também aprovados no mesmo certame público, tomaram posse comigo. Éramos, então, 14 novatos empossados na mesma agência. Infelizmente, dez deles não mais pertencem ao mundo dos vivos.
O colega Eronides Carvalho Nascimento, já falecido, contou-me certa vez que o doido Catrevage vivia em Palmeira dos Índios e em cidades próximas. Também teria aparecido em Santana do Ipanema, mas dele não me lembro. Em Palmeira dos Índios Catrevage era muito conhecido, porque, rua a cima, rua a baixo, em dias de intenso calor de verão, costumava dizer o paradoxo: “Que calor formidável! Um banho agora seria horrível!”
Na verdade, o disparate, a contradição e o contrário ao comum, dito pelo doido Catrevage, ocuparam páginas inteiras de pesquisa e discussão filosófica ao longo do tempo, segundo os dicionaristas Aurélio e Houaiss.
Afinal, o tempo passou depressa. Com certeza, o proprietário do Bar do Tonho hoje estaria a gargalhar com a cara dos contestadores das histórias, para eles mentiras, ali contadas por Lulu Félix.
Maceió, maio de 2025.