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Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

Padre Francisco Correia, o legítimo fundador de Santana do Ipanema por José Marques Melo (in memoriam)

11/05/2024

Origem da cidade de Santana do Ipanema

Padre Francisco Correia, o legítimo fundador de Santana do Ipanema por José Marques Melo (in memoriam)

Reprodução do Portal Maltanet

À memória de Maria Audite Wanderley,
educadora exemplar,
e de Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos,
estadista emblemático ,
que deram sequência e consequência
à missão civilizadora do fundador da cidade.
Homenagem do ex- aluno,
no transcurso do aniversário dos 110 anos
de nascimento da mestra,
e do munícipe beneficiado pelo trabalho ousado
do ex-prefeito que construiu bibliotecas, museus
e outros espaços para difusão da cultura.

Controvérsia

Centro urbano incrustado no Sertão Alagoano, Santana do Ipanema constitui-se como dinâmico polo comercial e promissor núcleo educativo, alavancando o desenvolvimento de uma microrregião identificada pela produção agropecuária e os serviços mercantis.

Outrora alfinetada como “espinhosa” ou desdenhada como “pedregosa”, a cidade forjou suficiente autoestima, capaz de orgulhar-se hoje como uma terra “varonil”. Seu “povo festivo e alegre” reivindica o título de “rainha do sertão” para a comunidade banhada de forma intermitente pelo rio Ipanema, mas abençoada continuamente por Santa Ana, que o catolicismo venera como mãe de Maria e avó de Jesus.

Embora seu hino oficial exalte o “passado de glórias”, a verdade é que seu presente historiográfico permanece envolto por brumas, evidenciando enormes lacunas, que desafiam o rigor e a competência dos historiadores, na ausência de fontes documentais confiáveis.

Algumas questões suscitam controvérsia pública, começando pelo marco fundacional. Ainda não se sabe exatamente quem fundou a cidade. Em que época? Com que intenção?
(h4>ComunidadeCostuma-se balizar a fundação dos núcleos urbanos pelo critério exclusivamente jurídico, ou seja, a partir da legislação civil que dispõe sobre a organização do espaço municipal. Nesse sentido, Santana do Ipanema só passa a existir como município no século XX, embora sua vida comunitária remonte ao século XVII. Primitivamente se constitui como aldeia sazonal dos índios fulniô, assumindo depois a fisionomia de arraial povoado por mestiços em trânsito, lutando pela sobrevivência, até se estabilizar como arruado que agrupa trabalhadores livres, dedicados ao cultivo da terra ou à criação de gado.

Diante desse quadro, impõe-se uma questão substantiva: o que é uma comunidade? E outra adjetiva: o que caracteriza um espaço dessa natureza?

A revisão das fontes referenciais disponíveis sugere três possibilidades: umacronológica– “inicialmente um aldeamento de índios” (Barros, 2005, p. 519); “concentração populacional não agrícola” (Aurélio,1999, p. 469); outrademográfica– “um insignificante arraial habitado por índios e mestiços” (Barros, 2005, p. 519), ou melhor, um “complexo demográfico dedicado a atividades de caráter mercantil, industrial, financeira e cultural” (Aurélio,1999, p. 469); “e ainda uma terceiracivilizatória- “expressão simbólica” gerada pela “necessidade humana de contato, comunicação, organização e troca” (Aurélio, 1999, p. 469); chegando ao local o missionário “levantou uma igreja” (…), onde “em pouco tempo conseguiu implantar entre os habitantes os preceitos da religião e princípios da civilização” (Barros, 2005, p. 519).

Considerado o fator “cronológico”, voltamos ao princípio da colonização, no século XVII, quando os sobreviventes dos índios caetés, perseguidos pelas forças lusitanas, se refugiavam no sertão, às margens do rio Ipanema.

Privilegiado o fator “demográfico”, a criação de nossa cidade retrocede ao século XVIII, quando aqui transitam os missionários franciscanos, com a finalidade de evangelizar os índios e caboclos que se arranchavam na confluência do riacho Camoxinga com o rio Ipanema.

Mas se tomamos como parâmetro a variável “civilizatória”, sem dúvida a comunidade só começa a existir a partir de 1812, quando aqui se estabelece o Padre Francisco Correia. Realizando atos litúrgicos na capela de Senhora Santana, atrai devotos fervorosos, pessoas ávidas de contato e de comunicação, mas também realizando trocas nas feiras que se improvisam nas cercanias da capela, demandando organização do espaço para edificar moradias ou albergues.

Isso atrai os pecuaristas, interessados em assenhorear-se das terras devolutas aqui remanescentes e se beneficiar da mão de obra formada pelo “exército de reserva” dos agricultores “sem-terra”.

Foi lenta, sem dúvida, a formação de uma comunidade estável às margens do Ipanema, durante o período em que o Padre Francisco Correia fez daqui um lugar de trânsito. O povoamento permaneceu escasso e sazonal, de acordo com o registro feito pelos historiadores, alterando-se o quadro a partir do momento em que o pregador franciscano aqui se estabeleceu. A localidade passou a ter vida, movimento, repercussão.

Deixando de ser “lugar de passagem”, converteu-se em “espaço agregador”. O cônego Theotônio Ribeiro apreende a intensa transformação ambiental resultante da permanência do missionário no local em que fora construída a capela de Santana: “o povoado (…) se foi constituindo e incrementando”… (…) “dali saía a doutrinar os povos”, {usando} “o verbo forte e vibrante, mas a um só tempo aliciante”.

Idêntica percepção revelam os historiadores Floro e Darci de Araújo Melo, autores deSantana do Ipanema conta a sua História(Rio de Janeiro, Borsoi, 1976, p. 23/24), reconhecendo a importância do fator religioso na fundação da nossa comunidade.

Douglas Appratto confirma essa tese, assegurando que “as origens históricas do atual município de Santana do Ipanema estão intrinsecamente relacionadas ao movimento missionário católico”. Desta maneira, não hesita em proclamar: “o padre Francisco Correia é, sem dúvida, uma de suas mais expressivas figuras e um dos seus fundadores”. (Appratto, 2006, p. 189)

Argumento consistente está contido na hipótese aventada por Tobias Medeiros (2011), lembrando que a comunidade de beatas, criada pelo Padre Francisco Correia só foi estabelecida depois de 1812, com a finalidade de albergar mulheres devotas, dando continuidade aos serviços eclesiais, zelando pela capela de Sant`Ana e fazendo caridade aos pobres e enfermos que peregrinavam pela localidade.

Coube a Tadeu Rocha (1971, p. 4) verbalizar de modo adequadamente factual a natureza sócio-cultural e político-econômica do processo que dá sentido à ação pastoral do Padre Francisco Correia.

Documentando que “há 200 anos já eram vendidas terras na região de Santana do Ipanema”, o geógrafo-historiador explica cronologicamente: “…foi no mês de julho de 1812 que o homem de Deus, pastor de almas e civilizador da terra volta a fixar-se na povoação que ele mesmo fundara, 25 anos antes. O padre Francisco retornou a Santa Ana da Ribeira do Panema a fim de melhor exercer a sua missão apostólica nos sertões do Nordeste; Mas não era só entre fazendeiros e vaqueiros que o santo merecia veneração. Também nos meios político-administrativos foi grande a sua fama de conhecedor das terras e das gentes do interior alagoano.”

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