Logo da ASLCA

ASLCA

Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

Sidney Wanderley lança 'Antes do fim', livro com seus versos finais por Maylson Honorato

17/02/2023

Em entrevista exclusiva, escritor anuncia aposentadoria da poesia, fala da passagem do tempo e sobre Viçosa, cidade natal do alagoano

Sidney Wanderley lança 'Antes do fim', livro com seus versos finais por Maylson Honorato

Sidney Wanderley gasta as horas desfrutando os livros e CDs que coleciona. São centenas de exemplares, metodicamente organizados no apartamento do artista — um remanescente da chamada geração 80 e que pode facilmente ser rotulado como o mais importante poeta alagoano vivo. Aos 64 anos, ele anuncia a aposentadoria dos versos com um último livro de poesias: “Antes do fim”, lançado oficialmente neste sábado, 11 de fevereiro de 2023.

Na companhia de Doris e Paloma, gatas de estimação do poeta, Sidney alega não ser mais o mesmo. Atualmente, segundo ele, as metáforas lhe visitam com má vontade e a graça poética, outrora abundante, ficou nos anos que não voltam mais. Com a ironia que lhe é peculiar, conta que “Antes do fim” apresenta poemas derradeiros aos leitores e também seu olhar maturado sobre versos antigos.

Nascido no município de Viçosa, no interior de Alagoas, Sidney Wanderley permaneceu na chamada “Atenas alagoana” até os quinze anos de idade. Aos quatorze, no entanto, já costumava ler clássicos da literatura universal, sob influência do padrinho, o poeta parnasiano José Aragão — um farmacêutico que também era radioamador e foi até vereador na pequena cidade.

imagem-adicionada-1747856995198


Sidney ainda guarda as cartas enviadas pelo poeta Carlos Drummond de Andrade - Foto: Ailton Cruz

Cursou medicina na juventude, mas não gostava do curso. Por essa razão, passou a estudar Biologia, o que lhe dava mais tempo para se dedicar à leitura. A preferência era pela literatura modernista de Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. E foi justamente por meio da relação com Drummond que o artista viçosense estreitou seu vínculo com a literatura.

É que em 1978, Sidney Wanderley venceu um concurso literário escrevendo um ensaio sobre a ideia de suicídio na obra de Drummond. O ensaio chegou às mãos do poeta mineiro, que, além de aprovar o que leu, se tornou amigo do jovem alagoano, com quem se correspondeu por sete anos, por meio de cartas e telefonemas na década de 1980.

Aposentado dos versos, Sidney Wanderley nos recebeu para uma conversa sem pressa, no apartamento em que mora, em Maceió. Sentado em uma poltrona destacada na sala, quase defronte à televisão, o artista explica as transformações no relacionamento com a poesia e também reflete sobre o tempo, a morte e a relação com a cidade de Viçosa, tantas vezes referenciada em sua obra.

imagem-adicionada-1747856997672


Com poemas inéditos, Sidney Wanderley anuncia seus derradeiros versos - Foto: Gazetaweb

Para adquirir 'Antes do fim', título final da bibliografia poética de Sidney Wanderley, basta explicitar o interesse por meio do WhatsApp (82) 9935-4966. A venda é com o próprio artista — este “viçosense culto e perspicaz”, como bem pontuou Carlos Drummond de Andrade em uma das cartas enviadas ao alagoano.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

GAZETA DE ALAGOAS. Você está vivo e, até onde eu sei, produtivo. Por que ‘Antes do Fim’ é declaradamente sua última investida na poesia?

SIDNEY WANDERLEY. Vivo, eu não tenho dúvida, mas produtivo... É o seguinte: de uns cinco anos pra cá, eu venho percebendo que tenho cada vez mais dificuldade em me expressar em verso. Porque o poeta basicamente pensa o mundo em verso. Não quer dizer que ele vá resolver bem aquilo no poema, mas se eu estou conversando com você, ouço uma ideia inteligente, interessante, se estou lendo um livro, eu estou sempre buscando converter aquilo, o diálogo e a leitura, em verso. Se vai dar certo ou não são outros quinhentos. Essa é a cabeça do poeta. De alguns anos para cá, venho observando uma dificuldade cada vez maior para que a poesia nos bafeje. As metáforas estão me visitando cada vez com mais avareza e má vontade. Então, a gente começa a escrever com mais dificuldade.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Na introdução do livro você menciona isso…

Sim. Na introdução, chamada Poeta Bissexto, eu explico que percebi o seguinte: em 2018, eu escrevi quatro poemas; 2019, três; 2020, dois, e em 2021, um. Eu já não tinha nenhuma dúvida de que em 2022, que já acabou, eu não produziria nada. E foi o que aconteceu. Zero. Então eu disse logo, vou parar por aqui porque senão eu vou fazer uso dos números relativos. Em 2023, que está começando agora, eu vou produzir menos um… como vai ser isso? Antes que eu fique devendo, que a minha contabilidade entre no campo dos débitos, eu digo: vamos parar por aqui. É mais ou menos esse o pensamento.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

E como foi o processo de seleção dos poemas que estão neste livro?

Várias e várias leituras. Peguei os nove livros anteriores e tive essa ideia, de colocar os dez poemas que eu produzi nos últimos cinco anos e outros vinte já publicados. Porque eu queria um livro curto, enxuto, pequeno, que entediasse e aborrecesse pouco o leitor — porque o autor já está suficientemente entediado e aborrecido. Pois bem, nessa toada, deixei de fora alguns poemas que o pessoal gosta muito, como O Baile, que já foi premiado muitas vezes, mas preservei Inequação.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

imagem-adicionada-1747857000146


Poeta Sidney Wanderley nasceu em Viçosa, cidade conhecida pelo passado rico em cultura e intelectuais - Foto: Ailton Cruz

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Sei que você é seu maior crítico. Continua impiedoso com a sua obra? Isso apareceu nessa revisão?

Se repete. Olhe, é mais ou menos como um casamento. Quando você se casa, você jura fidelidade e empenho até o final da vida, na saúde e na doença. Mas às vezes a mulher pega uma gripe e você já está com a dúvida: será que eu vou até o fim da vida com essa gripada? Depois de umas semanas ou meses, a paixão já não está com a mesma intensidade, com a mesma força. É a mesma coisa com um livro. Quando eu publico, eu já li à exaustão. Na hora você pensa “isso aqui é uma obra-prima”, mas aí esfria, passa dois, três meses, e eu começo a ver a realidade. O que mais me angustia é que não está mal escrito, mas não tem necessidade nenhuma daquele poema existir. É muito pior. Você sabe que eu reescrevo muito, porque eu vejo e penso que não tá legal, que tá passando da conta, que tem um erro na métrica, ou até um erro gramatical que, como revisor não deveria admitir, mas aconteceu. Eu estou sempre revendo, recriando, refazendo. Mas eu tenho uma impaciência crônica, uma autocrítica dilacerante.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Como é a sua rotina, Sidney?

Eu acordo às quatro da manhã para revisar textos de produção acadêmica, que o pessoal adora. Eu detesto, mas vivo disso há vinte e tantos anos. São textos científicos, aqueles que a gente diria que nem a mãe do autor suportaria ler. Mas eu tenho que suportar, porque eu sou pago pra isso. Fico revezando. Quando estou muito entediado, eu venho para a rede ler alguma coisa inteligente. Assim passo o dia todo. Como muito também, passo o dia todo abrindo a geladeira. E urinando, eu gosto muito de urinar. Aqui tem três banheiros, eu urino nos três, pra nenhum se sentir discriminado. Passo o dia inteiro em casa. Se você convive muito bem com você, se é pleno, você leva a vida. Trabalhei quinze anos no Banco do Brasil e eu sempre procurei trabalhar só seis horas, o resto do dia é meu. Nessa brincadeira, fico o dia inteiro de bermuda, não gasto com transporte, nem com roupa. É uma maravilha. Eu programo os textos, separo um tempo para ler outras coisas. Porque se eu for ler só as coisas que eu reviso, eu vou ficar completamente burro. É um método seguro para ficar completamente burro. Também ouço música, como você está vendo [diz, apontando para as centenas de CDs expostos na sala]. Leio Proust, Guimarães Rosa, Eça de Queiroz, Machado, e outros, como você sabe. É o que tem na minha estante. Na música, ouço MPB da melhor qualidade, jazz e muita música clássica, um hábito de quase quarenta anos.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

E entre os alagoanos, o que tem na sua estante?

Não tem eu. Tem a obra completa de Graciliano Ramos; a Poesia Completa de Jorge de Lima e Jorge Cooper; “Tira-prosa”, de Fernando Fiúza; antologia de contos de Breno Accioly; “Pescando pescadores”, de José Geraldo Marques, “Interpretação da Província” de Dirceu Lindoso e “História Política de Viçosa”, de Júlio Caio Vasconcelos. E mais nada.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Como lida com a passagem do tempo?

A passagem do tempo para mim... Olhe, é o seguinte, vou lhe contar uma coisa. O positivista Auguste Comte já disse isso: os mortos governam os vivos. A gente está reproduzindo os hábitos dos nossos antepassados. Foi isso que ele quis dizer. Mas eu também digo que os mortos governam os vivos porque eu perdi, entre 19 e 25 anos, três dos meus melhores amigos, dois deles suicidas. Além do meu irmão. Esses quatro mortos governaram a minha vida. Daquele instante em diante, comecei a me preparar, eu pensei “não, eu não sou mais ilustre que esse pessoal”. Eu ficava dizendo “daqui a dois anos vem aí”. Aí estipulei que eu morreria aos 33. No dia do meu aniversário de 33 anos eu publiquei “Poemas post-húmus”, que são póstumos. Daí em diante eu pensei que seria a qualquer momento, dali a uma semana, mas nada aconteceu. Já vou com 64 anos e daqui a poucos anos completo 69, que é o triplo do que o meu irmão viveu. Às vezes penso que isso é imoral. A passagem do tempo, para mim, sempre foi marcada por essas mortes precoces.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Não tem medo da morte?

Não, de jeito nenhum. Eu tenho um medo da gota é da dor. Por exemplo, uma vez por semana eu digo, antes de deitar para dormir: que venha o infarto. Não tenho pressa, claro, de jeito nenhum. Tô feliz de fazer essa entrevista porque eu tenho a motivação de viver até sábado. Até ser publicada, tenho a motivação de me manter vivo. A morte é só uma passagem. Pronto.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

Me fala sobre a relação com a cidade de Viçosa?

Olhe, Viçosa virou uma espécie de Pasárgada pra mim. Essa relação é com uma Viçosa sonhada, para consumo próprio. Quando eu vou lá, não bate. A gente sente uma estranheza, os amigos estão em outra. Você andou e o cara ficou lá. O cara, claro, vai pensar o contrário. É uma conversa congelada. “Quantos filhos você tem?”, pergunta um. E morreu aí. O grosso da cidade morreu. Aquela cidade lírica, da época de Zé Aragão, de quando a poesia começou, a gente deve tudo àquilo ali. Devo tudo ao leito de Viçosa. Mas hoje eu tenho uma relação crítica. Aliás, eu não tenho bairrismo com Viçosa e nem com Alagoas. É uma coisa bobajada isso de alagoanidade e viçoseanidade. Temos coisas lindas, mas temos uma elite minúscula. Que Alagoas é essa, que Viçosa é essa? “Rica em cultura, parece Paris”, dizem uns. Quem já se viu? O meu bairrismo é com senso crítico e até com uma ironia muito aguçada. Fui criticado por isso, porque eu gosto de falar de realidade e não edulcorar as coisas de Viçosa ou de Alagoas. Não estou preocupado em celebrar a feira de Viçosa e nem as belezas de Alagoas. Eu acho tudo isso um cretinismo provinciano. É isso.

‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎ ‎

E o que podemos esperar a partir de agora, de um poeta aposentado?

Tudo, menos versos. Porque eu espero não ser um Silvio Caldas, que todo ano se aposentava. Eu já mostrei a minha produção, zerou. Parei. Se vier algo de prosa, não sei, mas seguramente também não virá um livro de contos ou romance. Quando eu tiver lendo na rede, eu não vou estar lendo pensando se aquilo vai dar um verso. Eu vou estar livre. Isso já é alguma coisa. E você tem observado que eu tenho me dedicado muito mais à prosa. E não é projeto, apareceu. Os três últimos livros que eu publiquei foram, vamos chamar assim, os da trilogia viçosense. É uma trilogia meio capenga, mas todo safado quer ter uma trilogia. Acabei fazendo isso sem querer. Primeiro, com “Cidade”, que é a narração da minha infância e adolescência em Viçosa; depois veio “A Feira”, uma parceria com o Juarez Cavalcanti, que eu gosto demais; e completei com “Graciliano em Viçosa”, que já teve duas edições — não sou idiota de pensar que foi por minha causa, é claro que é por causa do Graciliano. Mas é isso, nada de verso. Versos, never.

Maylson Honorato,11/02/2023