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Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos

Cadeira Nº 14
Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos

Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos

Cadeira Nº 14

✩1926 †2010

Falar de Dr. Hélio Cabral é uma missão honrosa e posso afirmar que não é tão difícil. Primeiro porque sempre o admirei, por sua inteligência, por sua cultura, por seu caráter, por sua visão de futuro, como cidadão e administrador, e por seu senso de justiça, como magistrado. Segundo, porque foi importante sua contribuição, como homem público, para o desenvolvimento de Santana do Ipanema e de seu povo.

            Era eu adolescente quando Dr. Hélio foi eleito Prefeito de Santana do Ipanema. Acompanhei sua gestão (1956/60), fui testemunha de sua preocupação com a educação das crianças e dos jovens do nosso município, apesar dos parcos recursos e da ausência de prioridades estabelecidas pelos governos do Estado e da República. Educação naquela época era privilégio de poucos.

            A própria consciência popular era dispersa em relação à necessidade de formação das crianças e dos jovens. Os pais preocupavam-se mais em conseguir ocupação para os filhos. No comércio, para os que moravam na cidade, e na roça, para os nativos do meio rural. O Brasil era um país rural, econômica e socialmente, com mais de 55% da população vivendo no campo. Em Alagoas esse percentual subia para quase 70% e em Santana beirava os 80%.

            Na administração de Hélio Cabral, percebia-se o ordenamento das propostas que compunham seu “Plano de Governo”, contemplando os setores básicos e os mais carentes. Assim foi com a educação e a cultura, destacando-se, entre as suas realizações, a fundação da Biblioteca Municipal Breno Accioly, do Museu Histórico e Geográfico e a criação de um sistema de som, através de uma rede de alto falantes distribuídos por toda a cidade, denominado de “A VOZ DO MUNICÍPIO”, que funcionava diariamente, transmitindo noticiários locais, nacionais e internacionais, além de programas musicais e rádios teatros – “indubitavelmente, a pré-história do jornalismo em Santana do Ipanema, então capital do feijão das Alagoas”. Como prefeito, ampliou e equipou a rede escolar municipal, dando-lhes as condições básicas de funcionalidade, a despeito da carência de recursos financeiros - naquela época as dotações federais eram escassas, principalmente para as áreas sociais de municípios pequenos e pobres.

            Nas férias escolares promoviam-se cursos de aperfeiçoamento para os professores municipais - a maioria do corpo docente local era composta de leigos -, ministrados por mestres vindos da capital. Inicialmente vistos com desconfiança por alguns, estes treinamentos culminaram em êxito absoluto. Dr. Hélio Cabral criou a primeira feira de livros do interior, para estimular o hábito da leitura, principalmente entre os jovens. Promoveu intercâmbio cultural, reativando a Orquestra Filarmônica Santa Cecília e convidando conferencistas para eventos no Ginásio Santana – naquele tempo a grande ACADEMIA DE ENSINO DO SERTÃO tinha alunos de dezenas de municípios.

            Incentivou apresentações teatrais, inclusive de grupo santanense, entre outras atividades que tornaram o setor cultural dinâmico para a época. Tenho até hoje na memória a peça “Conflito Íntimo”, de cujo elenco participaram, entre outros, Professor Alberto Agra, Dr. Aderval Tenório, D. Albertina Agra, Geraldo Monteiro e Dr. Manoel Solange Teles (colega de classe do Ginásio Santana).

            No perímetro urbano pavimentou com paralelepípedo várias ruas, entre elas as avenidas Dr. Arsênio Moreira e N. Sra. de Fátima e a Praça Dr. Adelson Isaac de Miranda, então Praça da Bandeira. Construiu o elevado do Pinguim, para servir de palanque para autoridades, por ocasião de desfiles e outros eventos públicos, e a Praça das Coordenadas, demolida anos depois. No meio rural, abriu várias estradas vicinais, facilitando o trânsito entre a sede municipal e os vários distritos e núcleos rurais.

            Participou de congressos municipalistas, representando os municípios alagoanos. Empreendeu gestões junto aos diversos Ministérios e outras instituições federais e estaduais, tais como Sudene, Codevasf, Chesf e Governo de Alagoas, para aprovar os projetos de interesse da comunidade santanense, dentre eles, a eletrificação e a implantação do sistema de abastecimento de água em nossa cidade. Pleiteou ainda a ampliação da rede ferroviária, numa ligação de Palmeira dos Índios a cidade de Delmiro Gouveia, com escala em Santana, infelizmente sem êxito.

            Referindo-me ao abandono do “patrimônio histórico” de nossa cidade, transcrevo uma citação de Dr. Hélio que bem expressa sua decepção, assim como a minha e a de outros santanenses, com a insensibilidade dos nossos gestores públicos para com a nossa cultura: “Desde a minha infância senti o afã do meu conterrâneo em progredir, porém progrediu destruindo, achando que somente há progresso com a inovação de estilos materiais. Monumentos, edificações e fatos que marcaram uma época em nossa história foram miseravelmente dilapidados e, do pouco que nos resta, nem a devoção da religião se faz sentir, demonstrando, destarte, que apesar de não termos quaisquer afinidades com Átila, nos miramos na fúria destruidora!”

            Durante a minha gestão a frente da Secretaria de Estado da Educação, tive vários encontros com Dr. Hélio, na época presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (1993/94), durante o governo de um outro santanense, Dr. Geraldo Bulhões Barros. Os assuntos abordados giravam em torno da política e das decepções que ela nos deixava. As lembranças de Santana estavam sempre presentes e o sentimento de nostalgia ponteava nossas conversas, sempre, infelizmente, com matiz de decepção, quanto às gestões improvisadas e sem nenhum planejamento, que acabavam por destruir parte do patrimônio existente e a levar para o esquecimento a nossa história. Assim aconteceu com a demolição dos prédios do meio da rua, como se dizia na época, de praças e de monumentos. Foram transformadas e descaracterizadas as praças Manoel Rodrigues da Rocha, do Centenário e das Coordenadas e até a Igreja Matriz de Senhora Santana, que teve seus altares originais removidos e alterada toda a sua arquitetura de interior, sob a alegação da necessidade de se conquistar mais espaço. Recentemente a Igreja Centenária do Bebedouro e a casa do Padre Bulhões ruíram e a praça da Cohab velha, construída há 10 anos, foi abandonada pela municipalidade, na gestão seguinte, e destruída  por vândalos. A praça Dr. Emílio de Maia, originalmente praça da Independência está em reforma e seu obelisco centenário já não  existe mais.

            Reafirmando a tradição familiar, Hélio Cabral era escritor. São inúmeras as suas publicações, principalmente os artigos para o Jornal de Alagoas e a Gazeta de Alagoas. E, quando residente em Santana, ainda encontrava tempo para lecionar no Ginásio Santana e na Escola Técnica de Comércio Santo Tomás de Aquino.

Ascendentes

            Este grande santanense nasceu no dia 09 de março de 1926 e faleceu aos 84 anos, no dia 10 de junho de 2010. Era neto do famoso Cel. Manoel Rodrigues da Rocha e de Maria Izabel Gonçalves Rocha, D. Sinhá Rodrigues.

            Coronel Manoel Rodrigues da Rocha (13.06.1857 / 11.05.1920) era filho de Ana Rodrigues Lins de Albuquerque e de Vitorino José da Rocha e Souza. Descendente de João Rodrigues Cardoso, fundador de Águas Belas, e, por sua vez, descendente de Simão Rodrigues Cardoso, ex-governador de Pernambuco. Veio para Santana no ano de 1901, procedente de Penedo, onde se estabelecera, nos últimos anos do século XIX, no ramo de couro cru, evoluindo comercialmente.

            Em Águas Belas, era ele um modesto sapateiro, que foi, juntamente com descendentes das famílias Melo, Albuquerque, Amaral, Lins e Cardoso, perseguido e obrigado a migrar para a Província de Alagoas, devido à violenta política do coronel Constantino, mancomunado com grupos de cangaceiros. Em Penedo, que constituía na época o maior pólo de desenvolvimento do interior da Província, fez amizades com pessoas influentes, casando-se com D. Belmira da Silva Praxedes, que teve morte prematura e não gerou descendentes. Nas suas incursões de negócios pelo Baixo São Francisco, conheceu em Gararú, Província de Sergipe, a professora  Maria Izabel Gonçalves Lima, futura D. Sinhá Rodrigues (07.04.1875/20.11.1966), mulher prendada e culta – que estudou nos melhores colégios de Sergipe -, com quem se casaria em 11 de outubro de 1898.

            Com a prosperidade dos seus negócios implantou um entreposto comercial em Santana do Ipanema, mudando-se definitivamente para o Sertão com a família em 1901. Na então vila de Santana construiu, no centro comercial, um sobrado que ainda hoje existe, com o monograma (MRR) encimado de uma estátua da Deusa do Comércio. A esta altura, Manoel Rodrigues da Rocha ainda não integrava a Guarda Nacional. Tornou-se o maior fornecedor de algodão e peles para o industrial Delmiro Gouveia, do qual foi amigo fraternal, na Vila da Pedra.

            Deste casamento nasceram: Maria de Lourdes Gonçalves Rocha que se casou com Dr. Manuel Xavier Accioly e teve dois filhos: o escritor Breno Accioly, um dos nossos grandes escritores, e Eudora; Pancrácio Gonçalves Rocha, que se casou com Maria Augusta de Araújo Melo e teve dois filhos: Ben-Hur e Maria da Conceição; Judith Gonçalves Rocha que se casou com o Professor Benedito Alves de Oliveira; Tadeu Gonçalves Rocha, também escritor renomado e professor universitário, que se casou duas vezes, primeiro com Maria Julia Bezerra Baltar, com quem teve 5 filhos: Abelardo, José Manoel, Tarcisio, Fernando José e Maria Isabel. O segundo casamento de Tadeu Gonçalves Rocha foi com Maria Margarida de Morais Schuler, com quem teve 4 filhos: Ana, Carolina, Gabriel e Flávio; e finalmente, Maria da Glória Gonçalves Rocha, que se casou com Dr. Otávio Cabral de Vasconcelos. Dessa união nasceram, além de HÉLIO ROCHA CABRAL DE VASCONCELOS, Eunice, Leda, Sônia, Nídia, Evandro, Otávio e Fábio.

            Conta-nos o pesquisador Silvio Melo, baseado na Nobiliarquia Pernambucana de Borges da Fonseca, que o Dr. Otávio Cabral de Vasconcelos, pai do Dr. Hélio Cabral, tem ascendência em Arnau de Holanda, natural de Utrecht e em Brites Mendes de Vasconcelos, natural de Lisboa. Formou-se em Agronomia em 1917 na Escola Superior de Agricultura de Pernambuco, hoje UFRPE e veio para Santana do Ipanema para assumir a chefia do Fomento Agrícola, órgão do Ministério da Agricultura.

Dr. Otávio implantou e administrou por mais de 20 anos o núcleo agrícola da Sementeira, na fazenda Curral do Meio adquirida em 1924, do Fazendeiro Agostinho Ferreira dos Santos, cuja escritura pública foi assinada pelo Dr. Victor Hugo Botelho Promotor Público da Comarca de Santana do Ipanema, representando o Estado e por Dr. Otávio, na condição de testemunha. Entre as grandes realizações do Engenheiro Agrônomo Otávio Cabral, destacamos a implantação e administração da Usina de beneficiamento de algodão e incentivo a sua produção e a introdução do arado a tração animal na região sertaneja alagoana, transformando Santana do Ipanema no município com maior quantidade de arados a tração animal em operação no Brasil, nos anos 50 e 60, segundo o Professor Expedito Couceiro da UFRPE. Foi com esse impulso na agricultura regional que Santana do Ipanema[1] se tornou a capital do feijão em Alagoas e a segunda produtora do Nordeste, perdendo apenas para Irecê no Estado da Bahia.  

Vida profissional 

            Hélio Cabral era um homem de reconhecida cultura, principalmente jurídica. Advogado formado em 1952, pela Faculdade de Direito de Alagoas, e com Licenciatura em Geografia do Brasil, pela Faculdade de Filosofia da UFAL, cursou Doutorado em Direito pela Faculdade de Direito da UFAL e fez inúmeros cursos de extensão e pós graduação em matérias como Sociologia Jurídica, Psicologia e Didática. Cumpriu os ciclos básicos de estudos no Colégio Diocesano de Maceió.

            Foi Promotor Público nas comarcas de Capela, Porto Calvo, Santana do Ipanema, Murici e Penedo, Secretário de Governo do Estado de Alagoas e Secretário do Interior, Justiça e Segurança Pública. Em 1950, ainda como jovem estudante de Direito candidatou-se a Deputado Estadual, ficando na suplência. Em 25 de agosto de 1966, foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, na vaga reservada ao representante do Ministério Público Estadual, sendo o primeiro na obediência a este preceito constitucional. Presidiu o Tribunal de Justiça no período de 1993/94.

            Professor de Direito Judiciário Penal na Faculdade de Direito da UFAL, lecionou ainda História da Civilização e Geografia do Brasil, no Ginásio Santana, e Economia, na Escola Técnica de Comércio Santo Tomás de Aquino. Sua identidade com a educação o levou ainda à função de professor de técnicas de legislação municipal e de Professor da Escola Superior de Magistratura do Estado de Alagoas.

            Foi sócio da Associação Alagoana de Imprensa e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, tendo tomado posse, em 31 de maio de 1971, da cadeira 19, da qual é patrono Alberto do Rego Lins. Outras funções exercidas pelo Dr. Hélio Cabral: adjunto de Promotor Público; Promotor Público; Delegado de Ordem Política e Social Investigações e Capturas (AL); Procurador Substituto da Fazenda Estadual (AL); Assistente Jurídico da COAP AL; Assistente Jurídico da Companhia de Desenvolvimento de Alagoas – CODEAL; membro da Associação dos Magistrados e membro do Ministério Público do Estado, Secretário da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de Alagoas; Secretário da Associação dos Municípios Alagoanos; representante da Associação dos Municípios de Alagoas no Conselho da Associação Brasileira dos Municípios; presidente da 2ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça; Corregedor Geral da Justiça do Estado de Alagoas; Vice Presidente do Tribunal de Justiça; presidente do Tribunal Regional eleitoral; presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas; membro da Associação dos Magistrados Brasileiros e sócio da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra – ADESG.

            Entre seus trabalhos publicados destacamos: “O valor do Laudo é apenas Opinativo (razões)”, “Um Processo Lesivo de Citação”, “Minha ação no IV Congresso Nacional de Municípios”, “Criação de Municípios” (tese), “Presença de Problemas num Quinquênio Administrativo”, “Direito Municipal - Sua autonomia científica e didática”, “Coronéis do Sertão e Sertão do São Francisco”, “Ensaio sobre a problemática das Secas, particularizando à região semi-árida alagoana: um desafio”, além de artigos em revistas e jornais - Tribunal de Justiça (Maceió História - Costumes FUNTED).

            Sua dedicação e desempenho como magistrado e homem de letras proporcionou-lhe o recebimento de inúmeras homenagens, entre as quais destacamos: Medalha do Centro Literário Recreativo Onildo Nepomuceno; Medalha do Sesquicentenário da Independência do Brasil (Governo do Estado de Alagoas); Medalha do 1º Centenário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas; Medalha Comemorativa dos 40 anos da Justiça Eleitoral (Encontro de Presidentes de Tribunais Eleitorais, em Nova Friburgo - Rio de Janeiro, em 16/07/1974.

Medalha Comemorativa da inauguração da AL 202 \"Sertaneja\", 22/02/1974, Governo Afrânio Lages; Medalha Comemorativa do 1º Aniversário de Telecomunicações de Alagoas S.A., 24/08/1974; Medalha da Polícia Militar de Alagoas, oferecida pelo Comando Geral, 21/04/1989; Medalha do Sesquicentenário de Maceió, oferecida pelo Prefeito Municipal, 09/12/1989; e Medalha do Mérito Eleitoral Frei Caneca - Grau Ouro, concedida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco.

Considerações complementares (descendentes)  

            Dr. Hélio deixa viúva a Senhora JACILE OLIVEIRA CABRAL DE VASCONCELOS, cinco filhos, a seguir citados e nove netos: Juarez de Maia, Funcionário Público, Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos Filho – Engenheiro, Noenila Oliveira Cabral de Vasconcelos – Procuradora do Tribunal de Justiça de Alagoas, Kicia Oliveira Cabral de Vasconcelos – Promotora de Justiça e Curadora do Memorial Desembargador Hélio Cabral do Ministério Público do Estado de Alagoas e Yana Oliveira Cabral de Vasconcelos – Médica.

                Reconhecendo os méritos deste ilustre alagoano, o Ministério Público do Estado de Alagoas instituiu, em 07 de outubro de 1999, o Memorial Desembargador Hélio Cabral, cujo acervo está disponível ao público na sede do Ministério Público do Estado de Alagoas. Por sua vez, a comunidade santanense e o Tribunal de Justiça de Alagoas, numa clara demonstração de apreço e reconhecimento elegeram o Desembargador Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos patrono do Fórum da Justiça Estadual de Alagoas em Santana do Ipanema. Finalmente, felicito esta Academia de Letras, Ciências e Artes, por ter escolhido, como patrono, a figura exemplar de cidadão e homem público do Dr. HELIO ROCHA CABRAL DE VASCONCELOS, cuja Cadeira 14 muito me honra em ser o seu primeiro ocupante. 

Manoel Augusto de Azevedo Santos, 2014.