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Academia Santanense de Letras, Ciências e Artes

Carcará pega, mata e come

11/12/2025

Montado apenas oito meses após o golpe militar, Opinião percorreu o país como um grito coletivo de resistência.

Carcará pega, mata e come

Reprodução do Portal 082 Notícias

Há 60 anos, em 11 de dezembro de 1964, estreava no Teatro de Arena, no Rio de Janeiro, o histórico show Opinião, reunindo Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia), Zé Keti e João do Vale, sob direção de Augusto Boal. O espetáculo mesclava textos de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes com músicas de protesto — e nenhuma delas ganharia tanta força quanto Carcará, cuja letra é de José Cândido, alagoano de Santana do Ipanema.

Uma biografia inédita de José Cândido, escrita por Claudevam Melo, aguarda lançamento.

Montado apenas oito meses após o golpe militar, Opinião percorreu o país como um grito coletivo de resistência. O espetáculo funcionava como catarse para setores intelectualizados da sociedade, que, em vez de pegar em armas naquele momento, entoavam versos desafiadores:

“Carcará pega, mata e come /

Carcará não vai morrer de fome /

Carcará, mais coragem do que homem /

Carcará pega, mata e come.”

O ditador de então, o marechal Castelo Branco, gostava de se apresentar como um homem culto e frequentador de teatro no Rio — embora jamais tenha assistido ao Opinião. Orgulhava-se de ser parente da escritora Rachel de Queiroz, conterrânea e autora de O Quinze, obra associada à esquerda, mas cujo prestígio não a impediu de apoiar publicamente o golpe de 1964.

O regime, porém, logo deixaria claro que não havia espaço para ilusões. A ditadura endureceu com Costa e Silva, agravou-se sob a Junta Militar e atingiu seu ápice repressivo no governo Médici. Nessa fase, cantar Carcará já não bastava. Para muitos, havia chegado a hora de enfrentar o regime de outra forma — inclusive pela luta armada.

Assim, a canção que nascera no palco do Arena atravessou décadas como símbolo de coragem e resistência, ecoando até hoje como memória viva do Brasil que ousou dizer não ao silêncio imposto pela ditadura.

Fonte: Claudevan Melo