Carcará pega, mata e come
Montado apenas oito meses após o golpe militar, Opinião percorreu o país como um grito coletivo de resistência.

Reprodução do Portal 082 Notícias
Há 60 anos, em 11 de dezembro de 1964, estreava no Teatro de Arena, no Rio de Janeiro, o histórico show Opinião, reunindo Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia), Zé Keti e João do Vale, sob direção de Augusto Boal. O espetáculo mesclava textos de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes com músicas de protesto — e nenhuma delas ganharia tanta força quanto Carcará, cuja letra é de José Cândido, alagoano de Santana do Ipanema.
Uma biografia inédita de José Cândido, escrita por Claudevam Melo, aguarda lançamento.
Montado apenas oito meses após o golpe militar, Opinião percorreu o país como um grito coletivo de resistência. O espetáculo funcionava como catarse para setores intelectualizados da sociedade, que, em vez de pegar em armas naquele momento, entoavam versos desafiadores:
“Carcará pega, mata e come /
Carcará não vai morrer de fome /
Carcará, mais coragem do que homem /
Carcará pega, mata e come.”
O ditador de então, o marechal Castelo Branco, gostava de se apresentar como um homem culto e frequentador de teatro no Rio — embora jamais tenha assistido ao Opinião. Orgulhava-se de ser parente da escritora Rachel de Queiroz, conterrânea e autora de O Quinze, obra associada à esquerda, mas cujo prestígio não a impediu de apoiar publicamente o golpe de 1964.
O regime, porém, logo deixaria claro que não havia espaço para ilusões. A ditadura endureceu com Costa e Silva, agravou-se sob a Junta Militar e atingiu seu ápice repressivo no governo Médici. Nessa fase, cantar Carcará já não bastava. Para muitos, havia chegado a hora de enfrentar o regime de outra forma — inclusive pela luta armada.
Assim, a canção que nascera no palco do Arena atravessou décadas como símbolo de coragem e resistência, ecoando até hoje como memória viva do Brasil que ousou dizer não ao silêncio imposto pela ditadura.
Fonte: Claudevan Melo
